Luís Osório em nova carta aberta: “Alguém diga ao Marco Paulo que não é o Sinatra ou a Amália”
O jornalista Luís Osório, no seu habitual ‘Postal do Dia’, escreveu sobre o artista Marco Paulo.
Luís Osório não foi brando nas palavras e teceu fortes elogios ao cantor. Leia o texto dedica ao cantor na íntegra:
“Marco Paulo é uma figura que nunca desvalorizei. Não oiço a sua música, mas gosto do que representa para milhares de pessoas. Gente que foi lá para fora e que sofreu cá dentro, mulheres que são o símbolo do que este país teve de caminhar – do que ainda tem de caminhar.
Chamavam-lhe o “rei das sopeiras”.
Um dia desanquei um deputado por o dizer.
“Rei das sopeiras a sua tia”.
Porque o importante ali não era a “boca” ao Marco Paulo, mas sim o preconceito em relação aos pobres, aos que não são cultos, às mulheres que com a casa às costas, de sol a sol, se faziam à vida para que lhes fosse possível a sobrevivência.
Alguém diga ao Marco Paulo que não é o Sinatra ou a Amália
A minha avó pobre gostava do Marco Paulo.
Quando ele cantava o “Ninguém Ninguém” ou “A Mulher Sentimental” parava sempre o que estava a fazer.
A avó e tantas outras avós de norte a sul do país.
Um país que é feito de ópera e sardinha assada.
De sol e de fado.
De grandes conquistadores e de velhos do Restelo.
De grande generosidade e de pequena inveja.
Marco Paulo não é menos importante do que os músicos de que gosto, dos que oiço, dos que leio.
Mas tem o condão de ser irritante.
Parece sempre que lhe devemos alguma coisa.
Por um lado, aplaude (e muito bem) o povo que o sustenta. Mas por outro, mostra-se inflexível, arrogante e até desagradável sem ter razões para isso.
Parece mesmo não reconhecer o tratamento de privilégio que lhe é garantido por um canal de televisão.
O diretor da SIC apostou num programa com o seu nome.
Apostou também numa ambiciosa série de três episódios que conta a história da sua vida.
Um filme em que Marco Paulo é bem tratado.
Até diria que é demasiadamente bem tratado – não se fala da sua vida mais privada, não se entra pelas polémicas, não se explora o lado cinzento que torna todas as histórias mais interessantes.
Sei bem que é impossível fazer esta comparação, mas se olharmos para “The Crown” percebemos as diferenças – o argumentista Peter Morgan não tem limites no modo como trata a família Real.
Na sua série, o cantor é levado ao colo.
Dignificado como grande figura do povo.
Como um herói dos subúrbios.
O cantor não tem de estar agradecido porque nada lhe foi dado de borla.
Concordamos todos com isso.
A SIC não é benemérita e se o desafia para projetos é por lhe garantir audiência.
Mas não gosto de pessoas ingratas.
Não gosto de pessoas que menorizam o trabalho de outras.
Sobretudo quando ele próprio foi tão maltratado e menorizado. Deveria saber o que custa fazer aos outros o que não gostamos que nos façam a nós.
No programa de televisão tem acessos de vedetismo para lá da normalidade.
E agora, como reação a um filme que foi visto por quase um milhão de portugueses – e emitido no primeiro dia deste novo ano – Marco Paulo queixou-se de “merdinhas” sem importância em vez de agradecer o trabalho de tanta gente à volta do que foi a história da sua vida.
Depois de mais de três horas de filme diz que não se sentiu representado pelo ator principal.
Que o Fernando Luís não era nada parecido consigo.
Que não havia cenas de espetáculo e música.
Que faltavam cenas na estrada.
Que, que, que…
Marco Paulo não tem de estar agradecido.
E não pode ser condenado por ter ego – o homem merece tê-lo.
Mas também não é preciso rebentar a escala da ingratidão em relação a quem o tem tratado muitíssimo bem.
Marco Paulo não tem de agradecer, mas convém que alguém lhe diga que não é o Frank Sinatra ou a Amália Rodrigues”.